quarta-feira, 15 de junho de 2011

Direito, Interpretação (Concretização) e Sociedade - Henrique Goron


Direito, Interpretação (Concretização) e Sociedade

Henrique Sampaio Goron

Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET


Uma das teorias existentes, no Direito Tributário, acerca do fenômeno da incidência da regra jurídica sobre o fato afirma que essa ocorre de modo infalível, automático. Quando, todavia, afirma-se (erroneamente) que não há a incidência, em realidade o que existe é uma falha nos efeitos dela decorrentes, não na própria incidência.

O desconhecimento da regra jurídica inserida no sistema, ou seja, válida, não impede sua incidência no momento da ocorrência da hipótese nela prevista no mundo dos fatos. A regra incide e sua eficácia é coercível.
A totalidade das regras jurídicas possui determinado grau de tensão, ou tensão em potencial, vez que essas não são criadas objetivando a confirmação de fenômenos naturais. Com efeito, pois, se existe regra jurídica, coexiste a possibilidade real do seu descumprimento.
Tal regra, para que seja aplicada da melhor forma ao caso concreto, deve ser interpretada, e não restam dúvidas de que a sua interpretação é algo por demais complexo.
Segundo ALFREDO AUGUSTO BECKER1, discorrendo acerca da lei tributária, mas cujo entendimento pode ser ampliado a todas as áreas do direito, “A lei tributária não é um falcão real que do punho do Executivo alça vôo para ir à caça do ‘fato gerador’. A regra jurídica contida na lei (fórmula literal legislativa) é resultante lógica de um complexo de ações e reações que se processam no sistema jurídico onde foi promulgada. A lei age sobre as demais leis do sistema, estas, por sua vez, reagem; a resultante lógica é a verdadeira regra jurídica da lei que provocou o impacto inicial.”
Partindo deste raciocínio, salta evidente que a interpretação legislativa não é algo estático, adstrito às palavras do texto legal apresentado ao intérprete. Percebe-se, portanto, que a norma jurídica não está isolada no sistema jurídico vigente, não existe independentemente de outras normas ou realidades vivenciadas pela sociedade na qual está inserida. Ela será validamente interpretada caso haja uma relação inescapável de influências recíprocas (ação e reação) com outras normas e com a realidade social.
Quer dizer, ao intérprete que pretenda extrair a real intenção da norma, que não necessariamente coincidirá com a do legislador que a criou, é obrigatório um diálogo não só com os demais ramos do direito, mas também com as demais áreas sociais e de conhecimento. Aliás, quando o interprete diz buscar a intenção do legislador, em realidade está justificando infundadamente utilizar a sua própria intenção para com a norma estudada.
Conforme bem lembra Louis Andrieu-Assieur, citado por ANDRÉ RAMOS TAVARES:

“o direito é a um só tempo uma ciência social e uma expressão cultural. Como princípio de organização, ele é uma técnica de governo. Essa variedade de atribuições ou de propriedades reclama saberes diferentes: da casuística à sociologia das organizações...” (Andrieu- Assieur, 2001:15).
Parece óbvia a afirmação, todavia necessário repeti-la vez ou outra, sob o risco de as ciências jurídicas, ainda atreladas a um positivismo legalista, voltarem-se ao seu retrógrado e prejudicial isolacionismo.
É a abertura das normas pelo interprete, principalmente as constitucionais, que possibilita o acompanhamento do desenvolvimento da realidade, permitindo sua permanência, superando a mentalidade que se tinha do sistema jurídico como um sistema fechado, conforme vigorou no positivismo, em que predominava a crença de que as leis constantes do Codex eram sempre aplicáveis a toda e qualquer situação, por mais nova ou estranha que fosse.
Esta abertura normativa realizada por quem pretende extrair a intenção da norma permite que haja uma conjugação entre o real e o normativo, a fim de evitar que as normas se tornem letra morta. Para tanto, todas as ciências que lidam com a realidade afiguram-se imprescindíveis.
Atualmente, a interpretação está alternado seu foco, possuindo com ponto de partida sempre um ‘problema’. E é necessário compreender tanto o ‘texto’ como o ‘problema’ para interpretar a norma daí extraída. É a chamada teoria da concretização.
Resultado direto da teoria da concretização é a recusa da compreensão do Direito como um conjunto de soluções pré-concebidas. O Direito não pré-existe ao caso concreto, ao contrário, ele deriva de um caso concreto.
Assim, é inegável e irrefutável que o problema concreto é relevante na determinação da norma e na compreensão (interpretação clássica) do Direito. A norma não é apenas a disposição textual, pois é “recepcionada” pela realidade concreta.
Desta forma a interpretação (concretização) deve buscar a melhor norma para a situação em apreço, pois assim possuirá um alicerce sólido no qual não apenas o direito específico aplicado à espécie (pex. Penal) é analisado, mas outros ramos desta ciência e de outras áreas sociais e do conhecimento que podem ser utilizadas (psicologia, filosofia, física, etc.) formam o arcabouço cognitivo do intérprete.
Quer dizer, deve-se rejeitar a idéia do Direito como disciplina autônoma, pois estritamente necessário, para sua aplicação ao caso concreto, que se utilize de outras áreas perante a realidade social.
Assim, no caso do Direito Tributário, por exemplo, para que se tenha uma real e abrangente compreensão do fenômeno tributário, e para que a interpretação normativa seja a mais adequada à situação concreta, deve-se ter em mente que a tributação é um fenômeno intersistêmico que envolve Política, Economia e Direito. Quer dizer, sem dialogar com estas distintas áreas do conhecimento, o intérprete não alcançará o melhor entendimento da norma jurídico-tributária.
No Direito Tributário, teorias econômicas devem ser utilizadas para a compreensão do fenômeno tributário, como, por exemplo, considerar-se a tributação como custo de transação tanto em sentido restrito (pois se constitui em um custo para a realização de um negócio jurídico) quanto em sentido amplo (visto que pode ser considerada como custo na utilização dos mecanismos de Mercado nas seguintes situações: insegurança jurídica, sonegação, burocracia fiscal, incentivos fiscais e penalidades no âmbito tributário). Por tais razões, um agente de mercado pensará muito antes de estabelecer formalmente uma empresa, pois os custos de transação poderão ser superiores ao de um estabelecimento informal.
Portanto, faze-se necessário destacar que a compreensão de qualquer ramo do Direito deve apoiar-se nas demais áreas sociais e do conhecimento aplicáveis a situação analisada. Desta forma, com a interpretação sistemática dessas diversas áreas a intenção da norma jurídica será inevitavelmente revelada, o que resultará na melhor aplicação do direito ao caso concreto.

Notas:
                       1 BECKER, Alfredo A. in “Teoria Geral do Direito Tributário”. 3° ed.. Lejus. 1998. pg. 115.

Bibliografia:
                  BECKER, Alfredo A.. Teoria Geral do Direito Tributário. 3° ed.. Lejus. 1998. 
                  CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito. Campus Jurídico, Rio de Janeiro. 2009.

                  DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. 1° ed.; Martins Fontes, São Paulo. 2000.
           TAVARES, André Ramos. A Constituição Aberta. In Revista Latino Americana de Direito Constitucional, 8, janeiro/junho de 2008, pp. 326-343. Disponível em http://multimidia.opovo.com.br/revista/andre-ramos-tavares.pdf. Material da 6a aula da Disciplina Teoria Geral da Constituição, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.

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